
O fato é que dessa delicadeza vem mais poesia, mais cuidado, mais olho no olho e intimidade, inclusive com as coisas nossas de cada dia. Mesmo que à força, olha-se melhor para dentro. Para dentro da gente, dentro de casa, dos guarda-roupas, das gavetas. E pensa-se nos outros que, se têm gavetas, agasalhos dentro delas não têm. E se constrange o coração de muitos, donde surgem doações, campanhas do agasalho, solidariedade, algum compartilhamento. Não se vê, no verão, distribuição de shorts, camisetas-regata, biquínis... Não se constrangem os corações pelo calor que os menos favorecidos andam passando, até porque onde não há o refresco do mar há o de um rio, cachoeira, piscina, tanque ou torneira, e muito menos se deflagram campanhas para doar refrigerantes, sorvetes, saladas... E isto pode embrutecer a gente.
Nestes dias frios há mais silêncio, mesmo de dia, inclusive da parte dos bichos, como se dessem trégua a correria e a barulheira, latidos e comparecimento de aranhas, baratas, formigas. O olhar é mais atento, menos disperso, mais perspicaz: sente mais. E sentar ao sol que não queima nem faz suar aquece também a alma, convida a sonhar, cochilar, namorar... Daí mais comedimento, menos espalhafato, mais elegância. Anda-se mais devagar, sempre que possível, talvez para armazenar calor, e isto prolonga os passeios e as conversas, se se está em paz. Dá vontade mais vezes de arrebentar pipoca e tomar chocolate quente, de beber mais chá ou café, de assar bolo e pão, fritar bolinho, ficar junto, conversar. E de abraçar o cobertor que ficou quente, na janela (que delícia!) e aproveitar aquele trecho da cama (ou de qualquer outro lugar) onde o sol pega à tarde, ou de manhã, e sentar ali com um livro, esquentar os pés, as costas, chupar mexerica, lagartixar... Tão simples!

Texto escrito por: Fátima Ricci
Fonte: http://www.overmundo.com.br/banco/dias-de-inverno
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