terça-feira, 21 de junho de 2011

Dias de Inverno

Claro que há controvérsias, mas são doces estes dias de frio, se não chove. Tudo e todos se quedam mais recolhidos, menos afoitos. Reina um tipo de delicadeza. A delicadeza de falar mais baixo, de estar mais em casa, buscar aconchego, sair menos às ruas, especialmente à noite, ou de madrugada, reduzindo as chances de acontecimentos funestos. (Será que há menos crimes, nesses dias e noites? Será que criminosos não pensam melhor antes de sair para invadir, roubar, ferir? Talvez.)

O fato é que dessa delicadeza vem mais poesia, mais cuidado, mais olho no olho e intimidade, inclusive com as coisas nossas de cada dia. Mesmo que à força, olha-se melhor para dentro. Para dentro da gente, dentro de casa, dos guarda-roupas, das gavetas. E pensa-se nos outros que, se têm gavetas, agasalhos dentro delas não têm. E se constrange o coração de muitos, donde surgem doações, campanhas do agasalho, solidariedade, algum compartilhamento. Não se vê, no verão, distribuição de shorts, camisetas-regata, biquínis... Não se constrangem os corações pelo calor que os menos favorecidos andam passando, até porque onde não há o refresco do mar há o de um rio, cachoeira, piscina, tanque ou torneira, e muito menos se deflagram campanhas para doar refrigerantes, sorvetes, saladas... E isto pode embrutecer a gente.
Nestes dias frios há mais silêncio, mesmo de dia, inclusive da parte dos bichos, como se dessem trégua a correria e a barulheira, latidos e comparecimento de aranhas, baratas, formigas. O olhar é mais atento, menos disperso, mais perspicaz: sente mais. E sentar ao sol que não queima nem faz suar aquece também a alma, convida a sonhar, cochilar, namorar... Daí mais comedimento, menos espalhafato, mais elegância. Anda-se mais devagar, sempre que possível, talvez para armazenar calor, e isto prolonga os passeios e as conversas, se se está em paz. Dá vontade mais vezes de arrebentar pipoca e tomar chocolate quente, de beber mais chá ou café, de assar bolo e pão, fritar bolinho, ficar junto, conversar. E de abraçar o cobertor que ficou quente, na janela (que delícia!) e aproveitar aquele trecho da cama (ou de qualquer outro lugar) onde o sol pega à tarde, ou de manhã, e sentar ali com um livro, esquentar os pés, as costas, chupar mexerica, lagartixar... Tão simples!

Claro que pisar descalço no piso frio do box, no banheiro, exige um “plus” de disposição, e sair do banho quente e relaxante, ou da cama de manhã quase requer coragem mesmo, em pessoa, e digo quase porque não dá para esquecer do que requer verdadeira coragem nesta vida e que passa longe de tocar em metais e azulejos gelados! Esses pequenos sustos, quando nem 10º marcam os termômetros, compõem o lado ruim dos dias frios. Mas desgraça é outra coisa. Agradável não é lavar as mãos na água fria, ou tirar a roupa para entrar no banho, muito menos o são as tarefas dos que precisam mexer em água, e o dia-a-dia penoso dos desfavorecidos pela imprevidência própria ou alheia, mas tudo também faz parte. O nome do planeta é Terra, não Céu, o que faz da vida aqui um campo de provas. Com chances de pequenos e grandes prêmios. Felicidade completa, mesmo, só a dos bichinhos domésticos: pegam sol o dia inteiro, espalhados onde há mais calor, lânguidos e preguiçosos, se é que se pode – ou deve - atribuir a eles qualidades tão humanas. No inverno ou no verão.


Texto escrito por: Fátima Ricci 
Fonte: http://www.overmundo.com.br/banco/dias-de-inverno

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